quarta-feira, 17 de junho de 2020

O Outro Lado da Literatura: Preconceito

Olá, Pessoal!
Depois de uma primeira parte sobre escritores hipócritas (LINK), venho com a segunda parte.
Se achavam que a pior parte já tinha chegado, ou que hipócritas existem em qualquer trabalho, deixem-me colocar-vos chocados.

Que o mundo é preconceituoso, isso já sabemos, mas no mundo literário colocam-nos dentro de "potes".
Somos rotulados e levados apenas a escrever um único género literário, só olhando para a nossa fisionomia.



És negro? Tens que escrever sobre o Apartheid, ou romances dramáticos com um protagonista negro. Ou seja, tens que falar sobre a tua luta (já que os outros não podem falar por ti). Ou melhor, se és branco e tens um protagonista negro vais ser olhado de lado e "massacrado".

No preconceito literário somos rotulados pelos géneros que escrevemos e, muitas vezes, somos vistos como uns marginais.

Vamos a alguns exemplos:

Género: Romance Juvenil
Como o autor é visto: Jovens de 15 anos que começam com as fanfics* usando casais conhecidos, ou adultos de 30 anos que ainda não cresceram e apenas mudaram os nomes dos personagens. Ouvem cantores pop desta geração e passam o tempo a reclamar da vida, ou a revelarem os seus crushes nas redes sociais.

Género: Romance Erótico
Como o autor é visto: Se for mulher é virgem, ou foi mãe adolescente. Se for homem, enganem-se se acham que é uma pessoa sexualmente ativa, na verdade ainda não saiu do armário, é homossexual. Elas ouvem cantoras pop e revelam os seus crushes, que muitas vezes são atores de Twilight ou 50 Shades of Grey e eles escondem-se para ouvir Justin Bieber, ou Charlie Puth (cantores pop da nossa geração).

Género: Ficção Científica
Como o autor é visto: Estes são fãs de Guerra das Estrelas e Game of Thrones e falam constantemente da atriz Emília Clarke, além de ouvirem rock do pesado. George R. R. Martin é o mestre deles.

Género: Fantasia
Como o autor é visto: Ouvem rock gótico, tipo Evanescence e Nightwish. São ótimos desenhadores, acreditam em bruxas e têm uma alma criança. Normalmente, estes autores também são designers.

Género: Drama
Como o autor é visto: Ouvem rap, são uns revoltados com a vida e criticam tudo nas redes sociais. Interiormente, têm problemas com autoestima. Este "grupo" de autores são os que mais têm problema com as críticas. Choram para dentro.

Género: Mistério/Suspense (eu entro neste "pote")
Como o autor é visto: São pessoas frias, calculistas e com pouca empatia. Nas redes sociais pouco falam, deixam uns likes, mas é só. De vez em quando deixam um link de uma música: um rock.

Género: Policial (eu entro também neste "pote")
Como o autor é visto: Podia ser polícia, mas não é. As pessoas têm medo dele porque parece andar armado. Sabe tanto sobre o corpo humano e como matar que é um solitário. Não se sabe o que ele ouve, lê, ou vê. Ninguém sabe as suas preferências.

Género: Terror (também entro neste "pote")
Como o autor é visto: Fã de Stephen King, o seu mestre, não deixa que ninguém fale mal. O seu quarto está cheio de posters do autor, a estante também está cheia de livros dele. Um pouco arrogante. Ninguém quer falar mal das suas histórias porque parece que fez pacto com o Diabo.

Género: Comédia
Como o autor é visto: É o segundo "grupo" de autores depressivos, só perdendo para os autores de drama. Podem escrever cenas que façam rir, mas, na verdade, são depressivos. Gostam de fugir da vida real dramática. A diferença é que eles usam a ironia em vez do drama nas suas histórias. Na convivência com outras pessoas, respondem de forma irónica, parecendo uns arrogantes, diferente dos autores de drama que são dramáticos na vida real.

Estes são os autores traçados pelos preconceituosos de acordo com os géneros que escrevem.



Voltando um pouco atrás, quando falei que alguns escritores têm preconceito linguístico, deixem-me dizer que é uma realidade. Pior que alguns vão até mais longe e criticam quem usa o antigo acordo ortográfico, isto falando dos autores portugueses. Há quem ache que usar o antigo acordo ortográfico é ir contra uma amizade, ou ligação entre Portugal e Brasil. Autores portugueses e brasileiros vêem-se a lutar contra a diferença na forma como usam o "você" e o "tu" (quando na verdade apenas os leitores deveriam procurar o que ler, o que eles mais gostam e se sentem confortáveis).
Entendi esta situação mais tarde, em 2014, quando comecei a fazer uma parceria com uma autora brasileira. Essa parceria ainda não foi concluída, mas quando comecei a entrar nos bastidores da literatura brasileira entendi que a ligação entre Portugal e Brasil nos bastidores do mundo literário não era assim tão calma. Ambas entendemos o preconceito a vir até nós pelo simples facto de uma ser portuguesa (eu) e a outra brasileira (ela). Diziam que a nossa história não iria ser lida porque estava escrita em duas formas de português. A língua portuguesa é universal, amigos! Mas o povo não quer ouvir.



Indo para outra forma de preconceito temos o preconceito entre autores independentes e dos que estão com alguma editora.
Se és independente, falas mal dos autores que têm uma editora, se estás numa editora falas mal dos autores independentes. Gostam muito de falar que ser independente é que é bom, ou vice-versa (e muitas vezes até é mentira porque os livros dessas mesmas pessoas que falam isto continuam sem serem vendidos).
Mas mesmo dentro da lista dos autores independentes e dos que estão com uma editora existe preconceito e inveja.
Se és independente e tens um colega também autor independente, vais gostar de dizer que os teus livros se vendem bem porque és ótimo em marketing e em vender o teu "peixe". Causas inveja, mas tu também tens inveja porque ouves o teu colega dizer que vende 500 livros por mês. A inveja é l*xada, já diziam os nossos avós.
Se pertences à editora X, também gostas de dizer ao teu amigo escritor da mesma editora que estás melhor do que ele porque o teu livro está na primeira página do site da editora. O irónico é que o outro vende mais do que tu.

E autores que escrevem algo polémico? Há quem não faça a distinção entre o autor e a pessoa. O facto de escrever sobre racismo, não significa que seja racista. A autora Rose Gleize escreveu isto no seu blogue "Cada um segue sua jornada na vida. Cada um escreve o que quiser" (Post: Aqui). Na verdade, cada um deve ter a liberdade de escrever o que quiser, mas será sempre criticado de alguma forma.
O preconceito sempre estará presente nas nossas vidas de qualquer forma...

No próximo post irei falar sobre designers, leitores beta e os problemas em que eles se envolvem no mundo da literatura.


* Fanfic -  É uma narrativa ficcional, escrita e divulgada por fãs inicialmente em fanzines impressos e posteriormente em blogs, sites e em outras plataformas pertencentes ao ciberespaço, que parte da apropriação de personagens e enredos provenientes de produtos mediáticos como filmes, séries, quadradinhos, etc. Portanto, tem como finalidade a construção de um universo paralelo ao original e também a ampliação do contato dos fãs com as obras que apreciam para limites mais extensos (Via Wikipedia).

1 comentário:

  1. Olá, Diana.
    Sobre a primeira questão dos escritores que são levados ou "aconselhados" a escrever gênero único, escritores negros que devem escrever apenas sobre a própria causa, escritores brancos que não devem escrever personagens negros, héteros que não devem escrever personagens homossexuais... eu só acho que ainda precisa haver um grande debate sobre isso com a participação de todos os interessados. Porque, em grupos de discussão, uma pessoa fala, dá sua opinião sobre esse assunto, despreza outros pontos de vista, não deixando espaço para quem talvez até gostaria de opinar também, e fica tudo por isso mesmo. Tem muita coisa que precisa ser resolvida nesse sentido.

    Quanto aos escritores do gênero erótico, eu não fazia ideia que eles são vistos ou rotulados dessa forma que você descreveu. Eu achava que era totalmente ao contrário. Estou um pouco chocada. De "queixo caído". 😮
    Quando li sobre como os escritores de fantasia são rotulados, que pensam que eles sabem desenhar e que desenham bem, lembrei das pessoas, geralmente outros escritores, que pensam que só porque uma pessoa é escritora que ela também é leitora beta e já vai logo empurrando os originais de um livro que está escrevendo ou já escreveu para ela ler e fazer comentários, praticamente obriga outros escritores a lerem e lhe darem feedbacks. Porém é preciso que se fale que nem todo escritor é também um leitor beta e nem todo escritor é obrigado a ser ou atuar como um leitor beta.

    E ao ler sobre o preconceito contra os escritores independentes, também me lembrei do preconceito que alguns escritores publicados, que já têm mais tempo de experiência no meio e mais bagagem, têm contra os novos escritores ou os aspirantes a escritores, que ainda não publicaram livros, mas já começam a aparecer na internet para já irem se divulgando, construindo seu espaço no meio, antes de publicar qualquer obra.

    Bem, gostei do texto. E conforme eu já havia dito antes quando respondi a um comentário seu numa postagem minha em meu blog, esse seu texto é um ótimo ponto de partida para um grande debate!
    Boa noite e boa semana.

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