quarta-feira, 20 de maio de 2020

Longas Palavras Perdidas (Parte 4)

Olá, Pessoal!
Hoje deixo-vos a quarta parte do conto Longas Palavras Perdidas.
Espero que gostem!

OBS: Fiquem atentos ao narrador e tentem entender o mistério o mais rápido que conseguirem.
Avisando ainda que apenas os excertos/trechos escolhidos das músicas foram a inspiração para aquela pequena parte do conto.


Longas Palavras Perdidas (Parte 4)

"Andei por tantas ruas e lugares, passei observando quase tudo, mudei, o mundo gira num segundo" - Letra da música.

Música:




Ele caminhou por todos os lugares novamente. As ruas estavam na mesma. Nada tinha mudado em cinco anos. A polícia continuava a fazer visitas ao bairro, tiroteios surgiam a cada noite... Como é que a vida lá fora tinha continuado igual? Em cinco anos ele mudou, mas o bairro dele... A tristeza ficou marcada no rosto do rapaz. Nada tinha mudado. Nada. Absolutamente nada. Um antigo amigo aproximou-se, após uma primeira visita ao bairro.
– Já saíste? – Perguntou ele, sério.
– Sim, Filipe.
– Liberdade condicional?
– Não. Estou em liberdade. Mesmo em liberdade.
– Ouvi que tens feito rap no xadrez.
– Sim, espero conseguir encontrar uma editora.
– Tu sabes que temos uma editora aqui. Vais fugir dos teus amigos?
– Eu sei o que vocês fizeram. – O rapaz fez uma pausa – Como soubeste disso?
– Disso o quê?
– Do rap.
– A tua mãe contou a toda a gente. Está toda contente com o seu menino músico. – O amigo riu-se. Não era um riso sincero. Ele estava a querer brincar com o rapaz.
– E eu serei.
O ex amigo olhou sério para ele.
– Tu andaste a fumar erva lá dentro, ou o quê?
– Não se pode fumar lá dentro. – Respondeu, inocente.
– Não me faças rir. Ela passa lá dentro sim.
– Que eu saiba nunca estiveste preso.
– Estive sim, por tráfico de droga. Acabei em prisão domiciliária.
O rapaz afirmou com a cabeça, entendendo.
– Voltaste a falar com a miúda?
– Nunca mais falei com ela. – O rapaz ficou sério.
– Fazes bem. Depois de teres sido preso, ela acabou por ficar aqui com um outro gajo.
– Quem?
– O André. – O amigo bufou – Toda armada em não me toques e no fim acaba na cama com outro gajo daqui do bairro. Sabes que ela anda a ser falada por aqui, não sabes?
– Não.
– A tua mãe não te disse nada?
– Eu preferi que ela não me falasse nada.
– Acho que fizeste bem. Podias ficar mais marado. Mas ela anda por aqui a rondar com ele. Ainda namoram. Acho eu.
O rapaz afirmou com a cabeça.
– Fica bem, João.
O ex amigo afastou-se. O rapaz não disse nada. Ele sabia que as palavras eram falsas. Olhou para o céu. Estava a escurecer. Vinha chuva. Decidiu ir para casa. A sua casa.


"Para aqueles que se assustam facilmente, sugerimos que afastem-se agora" - Letra da música.

Música:




– Olha só o que fizeste! – Gritava a jovem ao namorado.
– Podemos ir até a minha casa, está mais perto.
A rapariga tinha o sumo derramado na sua camisola. Estava mais quente dentro do carro. Ela não quis ir até casa dele, mas não teve outra opção. No meio do caminho, a rapariga começou a sentir-se insegura. Ouviam-se vozes violentas na rua abaixo, a rua onde estava a casa do namorado. Ela parou, amedrontada.
– Vamos mesmo para lá? – Perguntou ela.
– Porquê?
– Estou a ouvir muito barulho.
– A esta hora da noite acontece sempre. Não te preocupes.
Pois. Ela deveria ter-se preocupado. Dois gangs rivais começaram aos tiros quando eles entraram na rua. Ela ainda conseguiu ver João, o ex namorado, a sair de casa. Ele também a viu. O namorado dela ficou parado, sem fazer nada. João chamou-o.
– Rafael? Leva-a daqui. Não queres morrer.
O rapaz concordou e levou a rapariga para longe da rua, levando-a novamente para o carro.
– Acho que é melhor trocares de roupa em tua casa. Eu levo-te lá.
Ela só afirmou com a cabeça, mas estava apavorada. Durante a noite mal conseguiu dormir. A vida ia escapar-lhe das mãos.

"Sinto-me tão claustrofóbica aqui" - Letra da música.

Música:





No dia seguinte, após conversar com uma amiga decidiu dar um fim. Ela não conseguia voltar àquele bairro. Decidiu terminar com o namorado. Foi uma conversa dura e fria. Diferente do João, ele não compreendeu. Palavras sérias, uma discussão, mas cada um decidiu seguir o seu caminho. Quando se viu sozinha novamente no seu quarto teve vontade de chorar. E foi o que fez. Chorou durante alguns minutos. A vida foi realmente cruel com ela. Sentia-se claustrofóbica por algum motivo. Talvez por sentir-se encurralada no bairro, não se sentir bem naquele lugar, de não pertencer àquele lugar. Que vida triste.

"Não, não é a escola que dita os meus códigos" - Letra da música.

Música:





A escola não está preparada para ensinar todos os jovens. Os de classe alta, os de classe média alta, os de classe média, os de classe média baixa e os de classe baixa. Na verdade, o ensino não é dado a todos por igual. Ainda há um certo medo quando se passeia num bairro social. Ainda há medo dos tiroteios, dos negros, das rusgas, de se ir preso. Ainda há uma sensação de vergonha quando alguns jovens que vivem no bairro comentam que vivem no bairro. Ainda há preconceito. Ainda há amargura. Ainda há ódio. Ainda há quem feche os olhos à taxa de suicídio de jovens que vivem em bairros sociais. Ainda existe o medo de tudo o que se é diferente.
Quando é que isso mudará?
Não se sabe.
Ninguém sabe.

Glossário:
Miúda - Garota (PT/BR).


Espero que tenham gostado!
Já sabemos o nome do personagem principal: João. Filipe é um "amigo" dele. André é o novo namorado da jovem... Ou seria Rafael?
A próxima parte será postada em breve!

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